A história por trás do maior assassino de homens jovens no Reino Unido

Quem cresceu em Londres nos 90s certamente reconhecerá momentos da sua própria infância nos vídeos caseiros presentes em Evelyn: as baggy jeans, os irmãos embaraçados com a presença da camera, as partidas parvas e as trips ao skatepark de South Bank. Apesar de representarem uma outra família, as imagens granuladas e em movimento são imediatamente familiares; invocam um passado nostálgico e não tão distante e despertam memórias de família durante a juventude.

Mas para o realizador Orlando von Einsiedel, rever aquelas gravações foi uma experiência angustiante. “É como levar um soco inesperadamente,” diz. “Trouxe o meu irmão de volta à vida. Foi incrivelmente difícil de ver, mas relembrou-me o que ele foi ao longo da sua vida.”

Evelyn von Einsiedel suicidou-se aos 14 anos. Desde então, Orlando e o resto da família têm recusado debater a história do irmão, escondendo todas aquelas memórias ao longo de mais de uma década. Eventualmente, Orlando percebeu que este silêncio era ensurdecedor e que não se podia arrastar por muito mais tempo. Relutantemente, reuniu a família e amigos para enfrentarem o suicídio do irmão – e como esse evento os afectou – através de uma série de caminhadas pelo interior natural britânico. São essas caminhadas que se apresentam no documentário Evelyn.

“Os homens da minha família têm dificuldades em articular as emoções – somos uma amostra comum, nesse sentido,” explica Orlando. “Há dois anos, quando a Joanna [Natasegara, produtora] sugeriu fazer um filme sobre a minha família, fiquei completamente devastado pela questão. Sem que ela soubesse, aquela dia assinalava o aniversário da morte do meu irmão. Fiquei furioso, ‘Como é que ela se atreve a perguntar tal coisa?’ Eu não falava do Evelyn há anos, e muito menos ponderava fazer um filme. A raiva que senti na altura eventualmente fez-me perceber que era altura de falar sobre o elefante na sala para a minha família.

Para este realizador, vencedor de dois Óscar pelos documentários Virunga (2014) e White Helmets (2016), com experiência em zonas de conflito como o Afeganistão, Síria e a República Democrática do Congo, o maior desafio deste projecto não era escapar da milícia rebelde M23 ou investigar explorações petrolíferas ilegais, mas apontar a câmara para si próprio. Com um tremendo esforço, Orlando documentou uma jornada pessoal dolorosa em busca de uma catarse.

“Por ingenuidade, imaginei que este processo fosse simplesmente encerrar a questão”, explica. “Como realizador, tens a tendência de pensar na realidade de forma mais cristalina, mas a vida é muito mais complicada que isso. Pensava que íamos – eu, o meu irmão e a minha irmã – partir para isto ao mesmo nível, a lutar contra as mesmas barreiras. Mas à medida que progredimos, tornou-se evidente que era eu quem tinha dificuldades em falar. Eu não tinha receio de mostrar fraqueza aos outros, simplesmente não conseguia despir a armadura de irmão mais velho com os meus irmãos.”

Em certos momentos, Evelyn é uma desconfortável e granular dissecação das batalhas emocionais de uma família que se confronta com a perda. Mas simultaneamente, é uma história universal sobre como as famílias se relacionam, como conversam, brigam, discutem – ou falham em discutir – realidades desconfortáveis. Apesar de o filme providenciar um necessário processo terapêutico para a família, Orlando está empenhado em utilizá-lo como uma ferramenta para iniciar uma conversa mais abrangente sobre saúde mental e suicídio, o maior responsável pela morte de homens jovens no Reino Unido.

“Nós adoramos caminhar em família,” conta. “Em memória do Evelyn, escolhemos caminhar por alguns dos seus trilhos favoritos ao longo do Reino Unido. Caminhar juntos foi uma boa oportunidade para conversar até porque retira a pressão de algumas conversas mais duras – podes ficar para trás e a conversa parar e recomeçar.” Caminhar pela natureza aberta do interior cria uma espécie de espaço seguro para a família. E comparando com o habitual formato de entrevistas a cabeças falantes, funciona incrivelmente bem enquanto documentário, escancarando a linguagem corporal para o espectador, além dos microfones captarem amiúde alguns sussurros que escapam do ouvido dos outros protagonistas.

À medida que o filme se desenrola, é cada vez mais transparente que Orlando utiliza o processo de gravação como um muro em que se pode esconder. “O trabalho de um realizador é fazer perguntas e eu sinto-me seguro a fazê-lo,” diz. Um dos momentos mais fortes do filme surge no momento em que o melhor amigo de Evelyn, Leon, finalmente chama por Orlando, tira-lhe a câmara e aponta-a para o realizador. “Estás a fazer as perguntas para não teres de falar,” diz Leon. “Como é que podes contar as histórias dos outros, mergulhar tão fundo na dor dos outros, e não falares do que sentes? Falares vai ajudar as pessoas.”

Em 2018, o Instituto Nacional de Estatísticas do Reino Unido registou mais de 6.500 suicídios nas ilhas – sendo que o número de suicídios entre os homens será três vezes superior ao das mulheres. Estima-se que cada morte afecte cerca de 120 pessoas. Com centenas de milhares de pessoas afectadas todos os anos, o facto de a sociedade escolher não debater sobre o suicídio atesta a força do tabu que persiste. “Fala-se do suicídio como um dos actos mais egoístas,” diz Orlando. “Mas é uma indicação de quão doentes essas pessoas ficaram; na verdade acreditam que estão a fazer um grande favor a toda a gente.”

Ao longo das caminhadas, Orlando faz questão em ser um livro aberto para as pessoas que o interpelam ao longo do trajecto, inspirando mesmo o início discussões francas e emotivas com desconhecidos. “Normalmente tens de conhecer uma pessoa há muito tempo para falares com ela sobre suicídio,” explica. “Mas revelares vulnerabilidade gera vulnerabilidade nos outros. Dar a uma pessoa essa oportunidade permitiu a abertura de conversas extraordinárias.” É o caso de Simon, um ex-militar, que encontra pontos de contacto com a narrativa do filme depois de ter perdido três amigos para o suicídio após regressarem da guerra. Já John, um vendedor de gelados que perdeu a mãe, articula a questão de forma tão clara e sucinta que as suas palavras ficaram com Orlando durante imenso tempo: “É apenas uma doença. Falar sobre ela ajuda a tornar tudo melhor.”

“Fazer este filme foi incrivelmente difícil. Durante a edição, fiquei cheio de marcas vermelhas pelo corpo, tal não era o stress,” explica. “As pessoas vêem a minha família, mas espero que se torne em algo sobre as suas próprias famílias, as suas relações e as coisas com que não lidaram ao longo da vida. É aí que reside o poder do filme: comunicar com os outros. Mas a nível macro, espero que leve as pessoas de todo o mundo a empenharem-se e a abrirem espaço para se falar sobre suicídio.”

À semelhança de documentários anteriores, Orlando voltou a colaborar com a produtora Joanna Natasegara para amplificar a mensagem através da acção do filme. Para impulsionar a questão para a agenda e apoiarem as pessoas afectadas pessoalmente, ambos organizaram conversas e caminhadas após cada uma das exibições de Evelyn com organizações parceiras como a CALM e os Samaritans.

Globalmente, estima-se que 20 milhões de famílias são afectadas por tentativas de suicídio todos os anos e que 800.000 pessoas acabam por morrer. Perto do final do filme, após muitas lágrimas, discussões acesas e abraços de grupo, o irmão mais novo de Orlando regista um facto que ecoou por toda a família, e que certamente encontra eco por todo o mundo. “Creio que ainda não resolvi isto,” reflecte Robin von Eiseindel. “Isto tem de ser um debate permanente.”


Alex King é jornalista e encontra-se sediado em Atenas, Grécia.

Artigo originalmente publicado no site da revista Huck e editado em contexto e dados estatísticos para reflectir os números mais recentes.

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