Conhece a história de Sung Min Cho aka Mini, o primeiro surfista profissional moçambicano que sonha com o topo mundial

Sung Min Cho, ou Mini entre os amigos, é um jovem surfista moçambicano, local de Tofo, no extremo oriente de Moçambique. Em adolescente, um encontro inesperado deu-lhe o impulso que nunca tinha recebido para experimentar deslizar no manto azul-turquesa do Índico que contorna aquele litoral em forma de cotovelo. Desde então, o rapaz, hoje com 20 anos, não mais abrandou na dedicação e entrega absolutas ao surf. O sonho é fazer parte da elite dos riders mais poderosos do planeta.

Mini tem à porta de casa um litoral vasto, pontilhado por praias e picos com ondas de diferentes feitios. Com um quintal único à disposição, não só descobriu uma paixão para a vida, como decidiu partilhá-la com a juventude local por via do Tofo Surf Club. Numa região de escassa densidade humana, com uma oferta recreativa limitada à boémia noturna e ao consumo de estupefacientes, o programa do TSC representa uma importante ocupação alternativa para as gerações mais novas; uma pequena revolução num lugar distante dos centros urbanos.

No excerto que se segue, presente na monografia AFROSURF, tomo de mais de 300 páginas que documenta a cultura surfer em 18 países africanos através de fotografia, entrevistas ou perfis, Mini desvenda na primeira pessoa o trajecto que o levou a dedicar-se ao surf: do instante mágico em que o empurraram pela primeira vez numa onda ao desejo inabalável de competir na World Surfing League, passando pelo futuro da cultura em Tofo.

Sobre o livro, vale a pena mencionar que será publicado pela marca sul-africana Mami Wata e que se encontra no último dia de campanha na plataforma Kickstarter. Neste momento, o projecto tem no mealheiro o triplo do valor inicialmente estipulado para que o projecto se tornasse realidade. Ainda assim, os contributos extra para a campanha serão entregues a duas organizações de surf que trabalham com jovens africanos: a Waves for Change e a Surfers Not Street Children.


Nasci em Moçambique, na pequena cidade costeira de Inhamambe, no calcanhar de uma península que jaz no interior de uma enorme baía. O meu pai é sul-coreano, a minha mãe local. O casamento de ambos não foi reconhecido pela Coreia do Sul, por isso sou moçambicano. Não tenho qualquer outro documento em contrário.

Enquanto cresci na África do Sul, era conhecido por ‘the Korean kid’, o ‘puto coreano’. Eu não surfava, tinha a pele mais clara e cabelo curto, o que talvez me tornasse mais parecido com os asiáticos. Tinha o típico aspecto de miúdo de escola. Mais tarde, quando nos mudámos para Tofo e me dediquei ao surf, passei a ser conhecido como o ‘puto moçambicano’. Sempre me identifiquei como uma espécie de metade-metade, embora aqui as pessoas sempre me tenham acolhido como moçambicano.

Com excepção dos meus irmãos, nunca conheci outros moçambicanos de origem coreana. É uma mistura interessante. Um dia, durante uma viagem de negócios a uma fábrica de cajus em Moçambique, o meu pai viu-se na necessidade de aprender inglês e português. A minha mãe, para somar uns dinheiros extra, dava aulas de inglês a quem chegava de Maputo. Ela acabou por dar-lhe umas aulas e o resto é história.

O momento em que fui empurrado na minha primeira onda ficou-me gravado para a vida. Desde então que corro atrás do sonho de me tornar no surfista mais condecorado de Moçambique – e hei-de lá chegar.

A paixão pelo oceano surgiu aos 12 anos, altura em que nos mudámos para Tofo após uma infância a saltar de um lado para o outro na África do Sul. Tofo era diferente: uma pequena vila de praia à beira do Oceano Índico reconhecida pelos seus pontos de mergulho icónicos, estradas de areia e árvores de coco; um lugar fora das rotas habituais de turismo que apenas atraía viajantes de mochila às costas. Ainda assim, o que a tornava mesmo conhecida eram as suas ondas.

Quando tinha 14 anos, lembro-me de um imigrante nos emprestar – a mim e aos meus irmãos – uma prancha Wedge 5’8 de cor néon apenas porque achava que passávamos demasiado tempo sentados na areia sem fazer nada. Na água, o impulso para uma onda e um grito atrás de mim – “fecha os olhos e levanta-te!” – foi quanto bastou para que me pusesse em pé, sentisse o deslizar suave sobre a água e ficasse imediatamente viciado.

Dois anos mais tarde dei por mim numa de muitas missões por Durban numa tentativa de chamar à atenção para um dia conquistar um patrocínio. Surfava todos os dias desesperadamente na ânsia de elevar o meu surf ao próximo nível. Entretanto conheci o Tom Hewitt da Surfers Not Street Children. Na altura, apesar de estar em viagem em busca das minhas próprias oportunidades, ganhei um crescente interesse pela organização e os efeitos positivos que esta tinha nos miúdos locais. Não demorou muito para Tom confessar o desejo de expandir a organização para Tofo e me tornar no responsável.

Quando o Kelly Slater lançou o Continuance 2, que incluía o Tom e a Surfers Not Street Children, um dos representantes do papa viu o vídeo e mostrou-o ao papa Francisco com a sugestão de pudesse apoiar a organização. Engraçado é que o papa gosta imenso de surf e Tom foi convidado a ir a Roma, onde creio que propôs a ideia de abrirem uma filial da organização em Moçambique. O papa concordou com a ideia e neste momento somos o único programa de surf apoiado pela organização Scholas Occurrentes.

Para mim, surfar sem patrocínio era impensável. Eu estudava em casa, o dinheiro era curto, sobretudo com três irmãos. Antes do surf, eu não tinha planos sobre o futuro. Não há nada em Tofo; não há forma de ganhar dinheiro. O surf abriu-me muitas portas. Eu não planeei tornar-me surfista profissional, mas aconteceu porque melhorei a minha performance muito depressa. E eu até comecei tarde… Ainda assim, apercebi-me que era algo que me poderia sustentar e permitir apoiar a minha família.

Hoje ninguém me tira o feito de ser o primeiro surfista profissional de Moçambique. Mas é difícil crescer aqui quando ninguém puxa por ti. É por isso que vou a Durban o mais que posso. Aquilo é um centro de alta performance, há tantos surfistas de qualidade. É um excelente sítio para se estar.

Hoje ninguém me tira o feito de ser o primeiro surfista profissional de Moçambique

Aqui em Tofo, não temos acesso a treinadores, não existem ginásios; tenho de improvisar em casa. E não há surfistas realmente bons que ajudem a progredir o meu nível. Então levo isto um dia de cada vez – aquilo a que aqui chamamos ‘MacGyver’. No fundo, estou a fazer de ‘MacGyver’, a arranjar maneira de que isto funcione. É complicado, mas estou a trilhar um caminho para que os miúdos que vierem a seguir tenham uma estrutura montada para eles.

O Tofo Surf Club é essencialmente um programa de tempos livres – pós-horário escolar – para os miúdos moçambicanos aprenderem inglês, terem acesso a refeições nutritivas, praticarem actividades e desportos coletivos na praia e, claro, surfarem. Comecei como gerente do clube e agora sou igualmente o director nacional. Ver os miúdos a apaixonarem-se pelo oceano com as suas pranchas de surf é uma experiência incrível que acaba por ampliar a minha própria paixão pelo surf. Viver em Tofo é único no sentido em que o surf parece ser o elo que une esta pequena comunidade oceânica.

O clube mantém os miúdos longe do estilo de vida boémio que arrasta tanta gente para o seu âmago em Tofo. E eles sabem que se caírem nessa cultura, então o surf acabará inevitavelmente por passar para segundo plano. Isto foi igualmente importante para mim: forçou-me a decidir cedo que o surf era mais importante e poderoso do que qualquer droga. Por outro lado, também ajuda a que os miúdos se foquem na escola.

Mas ainda que continue o meu trabalho no Tofo Surf Club, eu não abandono o sonho de me tornar no surfista moçambicano mais premiado de sempre; de, quem sabe, chegar ao top 100 mundial. Sei que me iniciei tarde no surf, mas para mim não há outra opção que não seja a de ser levado a sério enquanto surfista.”

Este excerto integra o livro AFROSURF, obra que celebra o surf africano e a sua relação com a street culture do continente. O projecto encontra-se em processo de financiamento via Kickstarter até às 23 horas de dia 21 de Setembro.

Tate Drucker é uma fotojornalista sediada em Moçambique. Sigam-na no Instagram.