Maximón Monihan: um realizador na correria pelo sonho

Frames retirados de “Sea to Shining Sea”

À saída do avião no Aeroporto Internacional de São Francisco, Robert Boerleider é todo êxtase. Durante décadas, este holandês romanceou a América como berço e Meca cultural do skateboarding e eis que por fim chega o momento de ali embarcar numa roadtrip de três semanas – um sonho que persegue desde os tempos de skateboarder profissional em finais dos 80s.

Três dias mais tarde, ao cruzar a notória Skid Row de Los Angeles, o deslumbramento dá lugar à estupefacção no momento em testemunha o assédio das autoridades sobre os sem-abrigo alojados na zona em barracas precárias. “Então é este o reverso da moeda? São os que não se safaram com o sonho americano?”

É praticamente visível o desmoronar da imagem que Boerleider projectou na mente sobre a América. Mas no fundo é isto que nos é servido quando o nosso guia é Maximón Monihan, skateboarder condecorado Most Hated Skater of All Time pela revista Trasher (piadola, claro) que, sem meias medidas, se atira de cabeça ao “pesadelo americano”.

Maximón Monihan (esq.) e Robert Boerleider

É deste modo que se desenrola “Sea to Shining Sea“, road movie sobre dois skaters de meia-idade e profissionalmente acabados – um branco e outro negro – que navegam uma América confusa e em conflito consigo própria ao volante de um Subaru consumido pelos anos e os quilómetros. Um híbrido de documentário e ficção, esta é a segunda longa-metragem de orçamento mínimo produzida pelo colectivo underground Bricolagista! – de que Monihan faz parte – e aquela que melhor personifica a jornada de uma década deste realizador itinerante.

Monihan, 48 anos, cresceu no coração de Seattle, cidade onde as únicas escapatórias à chuva quase permanente se resumiam a tocar em bandas punk rock ou andar de skate em estacionamentos desertos. Por força da universidade, mudou-se para Santa Cruz, Califórnia, em 1988, onde garantiu um patrocínio da lendária H-Street e participou em vídeos marcantes como “Shackle Me Not” e “Hocus Pokus”. O passo seguinte foi uma viagem à conquista da Europa.

“Durante anos senti-me um falhanço. Até que o teu filme rode para um público, os anos vão passando, ficas mais velho, e começas a pensar, ‘Será que desperdicei toda a minha vida com este sonho de merda?”

“Fomos tratados como realeza porque éramos os americanos que apareciam nos filmes mais recentes”, recorda com um sorriso auto-depreciativo. “A união no skateboarding era tão forte que quando encontravas um outro mano, ele acabava por oferecer sofá e ainda te mostrava os melhores spots.”

Na Alemanha Ocidental, durante uma competição em halfpipe, Monihan conheceu Boerleider, que também era patrocinado, apesar do estilo trapalhão e relaxado que o deixava sempre no último lugar de todos os campeonatos. Mas ainda que tenha deixado marca na história do skateboarding, a verdade é que um dom inato para a palhaçada tornou-o numa figura inesquecível para aqueles que passaram pela cena europeia de finais de 1980. Através do evento, Boerleider e Monihan acabaram por ficar melhores amigos, numa altura em que a carreira do último teve o derradeiro fôlego e os verts passaram a moda do passado.

“Lembro-me perfeitamente desse momento,” conta sobre o dia em que abandonou a H-Street. “‘Não estás a inventar nenhuma manobra moderna e nunca vais ser tão bom como o Rune Glifberg, por isso vamos desligar a ficha da tua carreira.’ É pesado quando te tiram o tapete aos 23 anos. A malta abusava das drogas, cometia suicídio. Se não consegues fazer a tua reinvenção tipo Madonna ali na hora, acabas em queda livre.”

Monihan, porém, já tinha divisado um segundo acto: uma carreira como realizador independente. Através dos contactos na comunidade do skate, reuniu algum equipamento vídeo e começou por escrever argumentos ao mesmo tempo que produzia clipes de música e publicidade – actividade da qual ainda depende para meter comer na mesa. “Toda a gente quer fazer um filme, mas eu era apenas um skater e Harmony Korine só há um.”

Monihan acabou por encontrar uma empresa automóvel disposta a cobrir com 10 mil dólares despesas de equipamento e viagens em troca de uma curta. Pouco depois, formou uma pequena equipa e embarcou para o Guatemala. Com a ajuda de amigos e outros tantos favores à mistura gravou a primeira longa do currículo ao mesmo tempo que fazia esticar os dólares de um orçamento que muitos realizadores queimavam em minutos. A produção ganhou forma ao longo de várias noites de trabalho solitário em cubículos de edição de agências publicitárias.

O resultado final, “La Voz de los Silenciados” de 2013, é baseado numa rede criminosa que traficava crianças surdas-mudas da América Central para mendigarem no metro de Nova Iorque a uma escala industrial. O projecto foi montado como um filme mudo moderno, com um design sonoro vibratório que simula a experiência das pessoas mudas no mundo.

“O falhanço absoluto não está em não criar nada de todo. É o criar para ti, para o teu mundo underground, sem esperar nada em troca, que te torna invencível”

“A escravatura moderna estava a acontecer mesmo à nossa frente – na maior cidade da ‘terra da liberdade’ – e ninguém a reconhecia,” diz Monihan. “Tornei-me obcecado por mostrar esta história ao público.” O filme arrecadou prémios em vários pontos do globo, de Mumbai a São Petersburgo, convencendo Monihan de que valia a pena correr atrás do sonho do-it-yourself.

Minutos após a apresentação de “Sea to Shining Sea” no Thessaloniki International Film Festival de Atenas, é perceptível que o estilo de vida de Monihan pouco ou nada mudou desde os tempos da curta carreira de skater profissional. No hall do cinema, dando nas vistas pelo chapéu de fedora na cabeça, óculos de massa no rosto e o shot de raki à frente, vai partilhando com as gentes em redor o tipo de histórias boémias que atraem os ouvidos mais indiscretos.

Por estes dias, Monihan viaja um pouco por toda a parte na companhia da esposa Sheena Matheiken – também ela membro do colectivo Bricolagista!. Para trás ficaram as noites em sofás alheios por troca pelos os quartos de hóspedes ao mesmo tempo prefere a nerdice com outros realizadores do que com skaters.

A ideia por trás de “Sea to Shining Sea” surgiu de um acaso: Boerlieder tinha três semanas de férias do trabalho no aeroporto de Amesterdão; a mãe de Monihan ofereceu-lhe o velho Subaru; e a plataforma Fandor aprovou um projecto de 5 mil dólares para uma curta-metragem. Ainda assim, foi depois de Monihan espremer mais 13 mil dólares através de crowdfunding que realmente se lançou à estrada numa aventura pejada de encontros cómicos e surreais.

Não existe na película qualquer clímax revelador, mas chega a ser terno ver dois velhos amigos a convencerem-se de que as suas melhores temporadas ficaram para trás. Ambos tiveram a oportunidade de viver os seus sonhos, mas não do modo como ambos imaginavam.

“Durante anos senti-me um falhanço,” admite Monihan. “Até que o teu filme rode para um público, os anos vão passando, ficas mais velho, e começas a pensar, ‘Será que desperdicei toda a minha vida com este sonho de merda?’”

“No papel, os nossos filmes são flops: nunca geram dinheiro e quase ninguém os vê. Mas o falhanço absoluto não está em não criar nada de todo. É o criar para ti, para o teu mundo underground, sem esperar nada em troca, que te torna invencível.”


Alex King é jornalista e encontra-se sediado em Atenas, Grécia.

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