A luta antifascista começa no nosso bairro: uma conversa com António Brito Guterres

Fotografia por Adilson Monteiro

A Covid-19 marca o ritmo por estes dias. De tal modo que mais parece que as eleições presidenciais de 24 de Janeiro aconteceram há um ano e não há um mês. A poeira sobre o assunto parece assente por agora, mas é importante recordar que a legitimidade do rosto mais visível da nova extrema-direita portuguesa, André Ventura, saiu reforçada por cerca de 500 mil boletins de voto. Estes números, apesar de tudo, eram um tanto previsíveis, já que o crescente apoio ao ideário da extrema-direita, proveniente dos mais diversos quadrantes da nossa sociedade, tem sido sobejamente palpável. Prova disso é que no espaço de um mês uma câmara municipal promoveu a segregação de uma comunidade cigana no Alentejo, um debate estudantil online sobre racismo e escravatura foi invadido por imagéticas nazis e ameaças racistas e um cidadão negro português viu-se no centro de uma campanha favorável à sua deportação. A tradução real, para a vida de todos os dias, dos números alcançados por André Ventura está à vista de todos, o que por si só é razão suficiente para se promover uma reflexão séria e coletiva sobre o futuro da nossa democracia.

Este é um daqueles debates em que António Brito Guterres joga sempre em casa. Incansável no activismo e na dedicação de pensar sobre o território de Lisboa e a sua relação com as comunidades mais desprivilegiadas, os laços de António com os bairros sociais vêm dos tempos de miúdo, em Arroios, e das viagens de eléctrico com destino aleatório para “conhecer outros sítios e pessoas”. Na juventude, acompanhado pelas amizades que forjou ao longo dos anos, passou a ocupar edifícios contíguos a estas comunidades para promover ateliês e workshops para os locais; ou a montar estúdios nas esquinas dos bairros onde os jovens gravavam uns freestyles que mais tarde seriam editados e devolvidos com um selo de confiança para que dessem tudo pelos seus talentos. Ao know how das ruas viria a juntar o doutoramento em Estudos Urbanos pelo ISCTE e a actividade de Assistente Social que hoje exerce. Nas palavras de António, “a minha profissão sempre foi trabalhar no território perto das pessoas, no que pretendem fazer, nas suas capacidades e potência.”

O apoio de António Brito Guterres a associações e coletivos de moradores é contínuo e permanente. É através desta proximidade que tem assistido, nos últimos tempos, ao despontar de uma nova geração nascida nestas comunidades que hoje reclama o seu espaço na sociedade e assume a frente de combate à intolerância, exclusão e desigualdades sociais. São artistas, líderes comunitários, empreendedores e activistas que António dá a conhecer aos portugueses através do Cidade Invisível, programa de autor que assina na Antena 1. Gente promissora que para António Brito Guterres está na linha da frente na mobilização dos bairros sociais da Grande Lisboa para a resistência ao fascismo que assombra o presente político e social português.

A entrevista foi editada em extensão e clareza de leitura.


Nas presidenciais um candidato da extrema-direita esteve na disputa pelo segundo lugar e alcançou cerca de meio milhão de votos. Os portugueses estão a flirtar com o fascismo?

Estão a brincar com o fascismo, sim. A razão que os leva a votar [na extrema-direita] talvez não seja o fascismo, mas pequenas coisas que agregadas se tornam fascismo. Só consigo olhar para este crescimento do Chega de forma multifactorial. Primeiro, é preciso apontar o falhanço da sociedade portuguesa em geral. Se olhares para o Chega, tu percebes que há ali umas poucas pessoas fascistas da velha guarda, nazis, ou que estão ali por dinheiro; depois, tens um conjunto de pessoas perdidas que na sua base era reaccionária, conservadora, mas com muito pouca voz ou filiação a alguma coisa na sociedade portuguesa. São estes últimos que estão a ganhar espaço e a dar milhares de militantes [ao Chega]: aquele pessoal que falhou, que não progrediu, que não teve mobilidade social, e que procura assumir um papel através deste discurso.

A votação no Chega assume esse fracasso da sociedade. É o caso do voto racista, que tem por base um discurso contra as etnias. No fundo, o Chega aproveita-se daquilo que a sociedade portuguesa não conseguiu fazer. O que quero dizer com isto é que não é a sociedade portuguesa que tem de integrar as pessoas; é a sociedade portuguesa que precisa ser integrada.

Veja-se o exemplo da comunidade cigana. Há cerca de 130 anos, quando o antropólogo Adolfo Coelho fez um trabalho sobre os ciganos em Portugal, deparou-se com ciganos loiros de olhos azuis. A solução dele para questionar essa existência passou por excluir os outros, ou seja, os ciganos loiros de olhos azuis não eram ciganos, só os que tinham tez escura é que eram ciganos. Desde esse trabalho antropológico até ao censos de 1890, os ciganos, numa abordagem cultural da vida, são encaixados nos não-produtivos, em que se incluem mendigos, vadios e estudantes. Mais de 130 anos após a publicação desse estudo e do censos, a situação não mudou. Como é que ainda hoje se pode atacar menos de 1% da população, acusá-la de não ser produtiva, e ganhar uma escala tão grande [de eleitores]? O que vês é que, em 40 e tal anos de democracia, este capitalismo avançado não fez nada por estas pessoas.

Isso é impressionante…

Só para ilustrar o problema: as pessoas sabem que tenho vários amigos ciganos. Há quem me ligue e diga, ‘António, quero fazer um projecto com mulheres ciganas. Achas que a Curraleira seria um bom sítio?’. Quando pergunto sobre o tipo de projecto, normalmente falam de empreendedorismo, ao que respondo que tenho duas amigas na Curraleira que são empresárias, donas de vários restaurantes e com uns 15 motoristas Uber a trabalhar para elas. Aí respondem-me: ‘Não são essas, são aquelas que só têm a quarta classe’. Ou seja: mesmo que haja ciganos licenciados, é esta a mentalidade das pessoas sobre a comunidade. Daí que o Chega aproveite a incapacidade de integração do Estado, de assumir as culturas variadas que tem na sociedade para ainda hoje usar isso como arma de arremesso. Este é um factor importante.

“Não é a sociedade portuguesa que tem de integrar as pessoas; é a sociedade portuguesa que precisa ser integrada”

Que outros factores encontras para esta ascensão do Chega?

Outro factor é que o Chega tem uma capacidade sistémica muito mais forte do que os partidos normais fascistas, porque o programa do Chega é ultra neoliberal. É mais liberal do que o da Iniciativa Liberal. É um partido que tem aquela frente misógina, sexista, racista – e que agregando isto tudo podes chamar de fascista, também -, mas depois o programa não é fascista no sentido estrito do termo como era antigamente. É um programa neoliberal, com a privatização geral dos serviços públicos. Portanto, acaba por ser muito alinhado não só com as tendências do Vox, em Espanha, mas com tendências recentes da extrema-direita, como o Trump, e por isso pode rapidamente conciliar-se com a direita para fazer programas políticos. É o que está a acontecer nos Açores, por exemplo.

Mas o que me preocupa mais é o voto de vizinhança: inter e intra-vizinhança. Em Lisboa, duas das freguesias com mais votos no Ventura foram Santa Clara e Marvila. Tratam-se das freguesias com os maiores contrastes na cidade. Santa Clara é a mais pobre de Lisboa, onde tens pessoas que moram à beira de vários realojamentos de ciganos. E o que lhes enche a cabeça é morar em frente a ciganos, é essa a dimensão política do voto daquelas pessoas. Isto é um exemplo de confronto inter-vizinhança: bairros próximos e distintos, pessoas distintas. Em Marvila, que tem uma composição na sua maioria de bairros sociais, o confronto é intra-vizinhança. É a pessoa branca de classe média que vive no bairro social que baseia o voto na sua discussão de esquina. É aquela ideia de superação, de dizer: ‘eu sou branco, mais ainda sou melhor que tu que és negro ou cigano e voto no Chega’. Enquanto na Estrela, Belém ou Cascais, onde existe pessoal com algum rendimento, a elite que normalmente votaria Marcelo Rebelo de Sousa se transpôs para o Chega – porque quer abanar isto, porque o programa do Chega os valoriza ao nível de pagar menos impostos, contribuir menos para a distribuição, manter as coisas privadas que já têm e usufruem -, em freguesias onde se nota muito contraste entre vizinhança o confronto é inter e intra, é entre facções dentro do mesmo bairro ou que moram perto. Isto também serve para Algueirão/Mem-Martins ou Rio de Mouro, pelas mesmas razões que estamos aqui a falar. São zonas mais ou menos consolidadas a nível de rendimentos, mas cuja diferença ali é entre quem é branco e quem não é branco.

Foto: Arquivo António Brito Guterres

Pela tua descrição, diria que isso acontece muito naquela zona. Cresci no Cacém e ali encontro as características de confronto intra-vizinhança…

Exacto. Por isso é que dizia no início que muito do que é o Chega é fruto do capitalismo porque põe as pessoas com menos oportunidades a combater pelos mesmos micro-privilégios, ao mesmo tempo que acham que o privilégio de raça pode ser uma qualquer espécie de reposição histórica sobre a nação.

O voto urbano é realmente o mais preocupante. São muitos milhares de votos e é onde a tensão deste discurso [de extrema-direita] está mais presente e pode rebentar.

A ideia dos ‘eleitores zangados’ que apenas querem dar um ‘abanão no sistema’ e por isso votam na extrema-direita é o argumento por defeito para justificar o crescimento destes movimentos um pouco por todo o Ocidente. Parece-me no entanto que é um argumento que isenta os eleitores de responsabilidade por legitimarem cada vez mais partidos ou figuras com aspirações anti-democráticas…

O problema está na maneira como as pessoas se filiam com o voto. O voto intra-vizinhança é talvez aquele que põe mais em causa isto tudo. Eu tento falar e explicar às pessoas que olhar para o voto de forma tão promiscua, exaltar uma questão de café para um voto que pode gerir uma sociedade, pode ser fascismo. O rapaz que é branco, vive no bairro social e vota no Chega está a pensar no seu voto de vizinhança, naquela discussão que tem tido permanentemente, em vez de fazer zoom out do bairro e pensar no que as pessoas à sua volta também podem perder com aquele voto a nível de acesso à saúde, emancipação política das pessoas, acesso ao ensino.

É um pouco como a história da guerra cultural, hoje amplificada nos meios de comunicação…

O argumento dos fascistas é esse, [da guerra cultural]. E com isso, o que se está a naturalizar no discurso público é essa equiparação de valores de partidos à esquerda do PS com os do Chega. A maneira como um alinhado com o PS ou PSD olha para uma pessoa que combate o racismo e a apelida de extremista é resultado da naturalização desse discurso. Tal como quando usa o anti-racismo – que devia ser basilar sobre o modo como devemos agir em sociedade – para comparar com o racismo. Não são equiparáveis. Não posso pôr no mesmo painel de discussão um fascista com um activista anti-racista, não têm nada que ver. Politicamente, uns são pela inclusão de todos, os outros pelas exclusão. Mas está-se a conseguir normalizar isso e temos de ficar assustados.

“Há uma nova geração de pessoal nos bairros que está a criar as suas associações e coletivos como nunca antes vi e cuja frente é cultural, social e política”

É momento de resistir, então. Na verdade, o convite para esta conversa foi motivado por um tweet que publicaste no dia seguinte às presidenciais onde transmitiste a ideia de que este era o momento de nos deixarmos de activismo de redes e sairmos à rua. Porque é que o pessoal deve resistir na rua quando o combate político e ideológico acontece cada vez mais nas redes sociais?

Acontece nas redes porque é um lugar confortável. Aliás, o Chega explorou isso muito bem, de tal maneira que não precisa de estar com pessoas. Pode desconhecer as pessoas e opinar sobre elas. Esse é o perigo das redes sociais, impedir esse confronto, esse conflito do espaço público, de estar frente-a-frente às pessoas e por aí resolver esse conflito com simples pontos em comum.

A meu ver, há vários lados da luta [antifascista]. Um deles é o pessoal que está à esquerda ter o cuidado de não entrar em discursos semelhantes ao do Chega para o combater. Já assisti a pessoas ligadas a partidos de esquerda a partilhar posts a condenar o Chega utilizando a mesma linguagem. Não com o mesmo conteúdo, mas com a mesma postura de ‘toma lá, vai buscar’. Isso é de evitar.

Depois, é bom lembrar que estamos todos em bolhas separadas, não nos conhecemos. Com isso, não estamos a chegar a ninguém novo. Claro que o combate de sufragar, de desocultar as incoerências do Ventura, é importante. É um combate que os partidos e personalidades de esquerda em geral e algumas de centro e direita têm feito. Mas só por si, esse trabalho está muito longe de servir porque quem está naquele lado [de extrema-direita] da barricada convence-se sempre de outra coisa para não responder [às incoerências].

Um outro ponto é que o ónus [do combate à extrema-direita] está nas instituições do Estado. O Estado, ao negligenciar certo tipo de coisas, permitiu que isto acontecesse. Não é admissível teres um Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que só fala português com as pessoas. Não é admissível que uma pessoa vá ao centro de saúde e não seja atendida porque não consegue explicar o que se está a passar. Os serviços do Estado – educação, saúde – têm de estar preparados para a variedade de linguagens que existe [no nosso país]. E isso, até do ponto-de-vista do liberalismo – e mal de mim estar a dizer isto -, é um ganho: ganhas múltiplas linguagens, olhares, contextos, várias codificações.

Outro exemplo é o Estado olhar para propostas anti-racistas e colocá-las num plano de moderação igual às do Chega. Ou quando não assume que devia existir uma educação anti-racista e que esta não deveria ter de ser reivindicada. Ou seja, o Estado não pode posicionar-se como se estivesse a moderar os dois lados da barricada porque não são paralelos. Estamos a falar de um lado de inclusão e outro de exclusão e o Estado tem de estar do lado da inclusão.

Por outro lado, isto também é um combate territorial. O território – seja o bairro, a freguesia ou até a cidade quando mais pequena – é um espaço de política por excelência. É o lugar onde tens espaços públicos, onde as pessoas se podem encontrar, reconhecer, conflituar e chegar a resoluções, criar movimentos que promovam as pessoas a procurar o bem comum em conjunto e a superar as suas diferenças. Só aí é que o voto fascista intra-vizinhança pode ser combatido.

Estamos a falar de sítios que o capitalismo expurgou, pondo pessoas precárias a combater lado-a-lado com as mesmas oportunidades. Repara, às vezes ouves falar que os ciganos e os negros não se gostam. Não é verdade. A questão é que se tu pegas em brancos pobres e populações racializadas e as empurras para os mesmos contextos de precariedade – segurança no trabalho, acesso ao ensino, à saúde -, obviamente que as vais pôr a combater entre elas pelo pouco privilégio que vão conseguir ter. Esses grupos têm de estar juntos a nível de território. Tem de se construir uma política de lugar. Esse pode ser o ingrediente decisivo [na luta antifascista]. Essa base do território permite que as pessoas estejam em contacto umas com as outras sem a premissa do que representam, ou supostamente são, nas redes sociais. É o que permite criar pontes importantes. É um lugar que está a ser ignorado, mas que é importantíssimo nesta luta.

“O território – seja o bairro, a freguesia ou até a cidade quando mais pequena – é um espaço de política por excelência e só aí é que o voto fascista intra-vizinhança pode ser combatido”

Mas também não estamos habituados a ver os portugueses a organizarem-se de forma orgânica para saírem à rua em protesto. Pelo menos em décadas recentes e salvo raras excepções. Como é que se combate esta inércia e conformismo coletivos quando está em causa a defesa da própria democracia?

Já tivemos. Primeiro tivemos um Estado muito repressivo. Depois aconteceu o 25 de Abril e a cena explodiu. Normalmente as pessoas dizem que explodiu pela quantidade de partidos que apareceram e pelo número de exilados que regressaram. Esquecem-se que os movimentos de bairro também foram monumentais. Na Curraleira, no dia 1 de Maio de 1974, surgiu uma associação de moradores. No prazo de uma semana, já tínhamos dez associações de moradores nos bairros de Lisboa com uma série de gente expurgada pelo fascismo, que estava ali num canto, na pobreza, mas que sempre arranjou subterfúgios e formas de auto-gestão, de sobrevivência, de contorno do sistema. Assim que se deu o 25 de Abril, o pessoal mexeu-se para tudo. Começou a haver as grandes manifestações de ‘casas sim, barracas não’, que eram feitas por uma inter-comissão de moradores que encheram Lisboa com milhares de pessoas e conseguiram ocupar casas e depois fazer os seus próprios bairros através do programa SAAL. Depois, no anos 1980, a invasão da heroína foi crucial para que uma juventude inteira não se mexesse e aos poucos criou-se esta anemia de não-participação.

A grande questão é que as pessoas deixaram de conectar participação com mudança. Começaram a ver os mesmos de sempre, com os mesmos boys, os mesmos esquemas. Quando as pessoas participam e a coisa muda, a participação torna-se diferente, torna-se forte e deliberativa.

Mas nos últimos dois anos tiveste, como nunca antes, as maiores manifestações em Portugal promovidas por não-brancos que reclamam espaço na sociedade. Claro, aconteceram coisas muito graves que ajudaram a que isso acontecesse.

Estás a falar dos eventos como o da esquadra da PSP de Alfragide ou das manifestações Black Lives Matter (BLM), por exemplo…

Exacto, coisas muito graves em que vidas humanas estiveram em risco, em que as pessoas sofreram na pele, fisicamente, para haver uma mudança. Também houve algumas modas internacionais que ajudaram [como as manifestações BLM nos Estados Unidos], mas a verdade é que em pleno confinamento houve uma manifestação brutal que desceu a Alameda com uma linha da frente ao nível da organização que era toda não-branca, algo que nunca tínhamos visto. Portanto, há muitas coisas novas a acontecer ao nível da mobilização.

Que até tens revelado através do teu programa da Antena 1, Cidade Invisível…

Sim, pelo Cidade Invisível percebes que há uma nova geração de pessoal nos bairros que está a criar as suas associações e coletivos como nunca antes vi. Até há muito pouco tempo, tinhas ainda um resquício das associações de moradores que foram criadas a seguir ao 25 de Abril em cada bairro e que foram morrendo aos poucos. Agora, tens uma nova geração em associações que estão a aparecer em todo o lado: a Jipangue na Serra das Minas, a Passa Sabi no bairro do Rego, a Geração com Futuro na Curraleira, o PER11 na Ameixoeira, o PER7 na Alta de Lisboa… Coletivos novos cuja frente é cultural, social e política e com uma geração que quer assumir um outro papel [na sociedade]. Mobilização não se resume a manifestações; é também trabalhares todos os dias no teu bairro. Isso está a acontecer.

Foto: Arquivo António Brito Guterres

Quão diferentes foram as lutas travadas pelas associações de moradores do pós-25 de Abril e as aquelas que as novas associações confrontam nos dias de hoje?

Hoje, a luta é mais ampla. As associações de moradores do pós-25 de Abril focavam-se nas questões dos direitos da habitação. O que tens agora são associações mais transversais que tratam de assuntos como a questão dos direitos políticos, direitos sociais, do direito à expressão cultural. Isso é muito interessante, sobretudo porque nasce em bairros que são essencialmente racializados. Tens espaços com dezenas de jovens presentes diariamente, com espaços de educação, aprendizagem sobre cultura, leitura, referências suas.

Em Lisboa, há um desfasamento brutal entre o espaço urbano e as instituições. Do ponto-de-vista cultural, isso deu a volta quando percebeste que havia pessoal com novas linguagens de dança, falar e cantares que não arranjavam mercado e foram para o YouTube e de repente tinham milhões de views sem saberes quem eram. Isso diz bem do desfasamento. Só que apesar da parte cultural ser importante, a parte institucional também o é porque são as instituições que tomam decisões.

É na cultura de cidadania activa e de participação cívica ao nível das comunidades locais que reside o verdadeiro contra-poder e a frente de combate à extrema-direita…

Para além do Estado trabalhar a sua parte, é o ingrediente que falta. Hoje os coletivos locais estão cada vez mais a cruzar-se com os coletivos anti-racistas e antifascistas e com os movimentos sociais. Está tudo a entrelaçar-se e a criar uma rede importante que está a ganhar escala. É cada um fazer o seu trabalho o melhor que sabe fazer.