A arte da Lisboa invisível está em exposição no MU.SA de Sintra

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Fotografias por Ricardo

O Museu das Artes de Sintra (MU.SA) acolhe por estes dias, e até 2 de Janeiro, a mostra coletiva de artes urbanas “Linha Imaginária”. Em exposição estão diversas obras de diferentes expressões assinadas por artistas menos óbvios da periferia de Lisboa cujos imaginários criativos transpiram símbolos e referências inescapáveis a quem, como eles, vive na linha de Sintra e nos territórios ocultos lisboetas.

Para boa parte destes artistas, a mostra representa uma importante estreia em museus nacionais, ao mesmo tempo que lhes possibilita uma experiência sem reservas num espaço que, à semelhança de outros do género, sempre esteve ausente das suas interacções culturais.

“Tu dizes que vão estar no MU.SA, mas quase nenhum sabe o que é o MU.SA,” descreve António Brito Guterres, co-curador e representante da Aga Khan, fundação que dinamiza a exposição. “Ou seja, o facto de não saberem o que é dá conta da inacessibilidade que eles têm ao espaço.”

Para Brito Guterres, esta é também uma ambiciosa oportunidade para o concelho de Sintra redefinir a sua identidade cultural. “Há uma grande divergência entre a linha de Sintra e a vila de Sintra, apesar de a vila ser a sede de concelho de toda a linha. É uma vila mais voltada para o turismo, para as pessoas que vêm de fora. Então a ideia foi levar a linha para dentro da vila no sentido em que devemos olhar para estes artistas como representação da cultura de Sintra.”

“Soldado Marcio” de Onun Trigueiros (esq.) e “Kama” de Sepher AWK (dir.)

Mas nem só de artistas da LS se conta a história desta exposição. Em “Linha Imaginária” há um cruzamento de trabalhos representativos de outras zonas envolventes de Lisboa, como Cascais ou Margem Sul. Um esforço coletivo em que participam Fidel Évora, Filipa Bossuet, queragura, todo o coletivo Unidigrazz, Inês Santos, Lukanu, Moami, entre muitos outros. Atrás desta diversidade de nomes vem também uma pluralidade de expressões, desde o vídeo à música e fotografia, da ilustração à carpintaria ou grafiti. Diferentes estímulos, visões e olhares sobre os territórios invisíveis da capital.

“É pessoal que de alguma maneira teve o seu arranque de trabalho através do território, de acções mais sociais,” descreve. “É também interessante a parte do-it-yourself da exposição. É do-it-yourself porque há uma série de meios, de materiais, de educação, que não chega a estes territórios ou fazem-no por terem esse espírito? É uma dialética fixe de pensar porque não sabes se é uma coisa ou outra. É verdade que a política de escassez obriga o pessoal a resistir e fazer coisas interessantes. Então o do-it-yourself está cá dentro, como está a nota de que este pessoal quer ter ganhos económicos e ser reconhecido.”

Outro dos ganhos que António Brito Guterres perspectiva é o do encontro – em pessoa – destes artistas. “Foi super interessante perceber durante a montagem da exposição que, por exemplo, os fotógrafos Nuno Trigueiros [do Unidigrazz], Adilson Monteiro, halb e Diogo VII não se conhecem, mas ajudam-se online. Tens o Diogo a filtrar as suas fotos, o Trigueiro a ajudá-lo a exportar, o halb a transformar num formato Photoshop… tudo online. E se fores ao Instagram de cada um deles, vê-los a promover a exposição com as obras de pessoas que não conhecem. Aqui também há esse ganho de haver essas parcerias e ser um lugar que permite o pessoal encontrar-se e poder juntar-se e ser mais forte.”

Nas obras expostas, encontramos um conjunto de significadores que são familiares para quem está habituado a mover-se entre as periferias e centro lisboeta: grafitis dos comboios vermelho e cinza da linha de Sintra; fotografias de torres de betão em Chelas que podem bem representar um qualquer aglomerado habitacional nos arredores da Lisa; registos visuais da juventude que aviva a comunidade do bairro do Zambujal. A riqueza da colheita torna-se tanto maior pela diversidade de composições em mostra: pela força das performances físicas, pela carpintaria carregada de tradicionalismo africano, ou pelas abstrações mais ou menos introspectivas que são informadas pelos espaços e territórios em destaque na exposição.

“VER(DADE)” de Diogo VII

“O que vejo nos trabalhos deles é uma metrópole contemporânea,” descreve António Brito Guterres. “Com eles consigo não ver o desfazamento que há entre a expressão artística e o que se passa na cidade. Não falo da forma como expressam a arte – que pode ser mais abstracta ou concreta. Estou a dizer que ali sinto a Lisboa contemporânea no seu todo, a nível da expressão e das linguagens. Sinto aquilo como um espelho da cidade, a urbe contemporânea de Lisboa está ali.”

Sobre os efeitos da exposição, Brito Guterres expressa o desejo de ver despontar novos espaços de curadoria – “Sintra tem um landscape de museus e colecções grande, gostava que olhassem não só para a vila, mas também para a atracção mútua entre a linha e a vila” –, bem como novas vias de colaboração entre artistas de diferentes bairros. “A relação que vão estabelecer entre eles abre novas vias para colaborar, cruza públicos da Margem Sul com a linha de Sintra, Cascais, Chelas e pode criar novos itinerários e percursos artísticos em Lisboa.”

E para os visitantes da “Linha Imaginária”, antecipa boas surpresas. “Não estão à espera de ter um conteúdo daqueles, realmente bom, em Sintra. É uma surpresa que qualifica esse salto de artistas a sério e não apenas da periferia. Essa é a realidade deles, é o que exprimem, mas queria que no futuro não houvesse essas labels, que fossem vistos como artistas da cidade.”

“Auto-Retrato” de RAM (esq.) e
“Forteen Films, SoundOn & Outros” de Adilson Monteiro (dir.)
Série fotográfica no bairro do Zambujal por halb
“SAN GOHU” de queragura
“Hora de Pontas” de Rappepa Bedjo Tempo e Onun Trigueiros
“Manta Comunitária” da Jangada de Emoções e Clube das Mulheres