Fotografias por João Miranda e Pedro Assis
O relógio aproxima-se das três da tarde. No extremo norte da praça Martim Moniz, aquele de onde se observa a Almirante Reis até a perdermos de vista, procuro o meu espaço por entre canteiros, cartazes e pessoas – muitas pessoas. Na praça ecoam os primeiros ritmos de percussão, vão-se erguendo pesadas lonas e pequenos cartazes que gritam palavras pujantes, e afinam-se ideias e planos de acção. Dentro de momentos, uma serpente humana onde se contam jovens, idosos, adultos e crianças, vai iniciar a Marcha Pela Justiça Climática, que se estende por dois quilómetros e meio até à Fonte Luminosa, na Alameda.
A marcha acontece num fim-de-semana marcado por uma acção global pelo planeta, com milhares de pessoas a ocupar as ruas de 300 cidades mundiais (entre elas o Porto) para exigir políticas urgentes e radicais no combate às alterações climáticas. O fim dos investimentos em combustíveis fósseis, a abolição da desflorestação e o justo apoio financeiro às comunidades indígenas e do Sul Global – , as mais afectadas e que menos contribuíram para as actuais transformações do clima – foram algumas das reivindicações que se fizeram ouvir no protesto. As exigências são, na verdade, diversas e estão enumeradas num manifesto global que por estes dias visa as multinacionais e os líderes governamentais que se encontram reunidos em Glasgow, na Escócia, na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26).
Enquanto a marcha global decorreu ontem (sábado, 6 de Novembro), em Lisboa esta sucede um dia mais tarde que o previsto. É assim por decisão de promotores e participantes em virtude da manifestação anti-racista “Justiça por Danijoy Pontes” que teve lugar ontem à porta do Estabelecimento Prisional de Lisboa. Um gesto solidário que, ao mesmo tempo, serve uma mensagem inequívoca de que a justiça climática não é possível sem justiça racial.
Contudo, a alteração da data não demoveu os muitos lisboetas que se reuniram em protesto no centro da cidade sob um cálido sol de Novembro. Mónica Inácio, 40 anos, consultora funcional, acompanhada pela família, veio ao Martim Moniz por reconhecer o momento decisivo em que o planeta se encontra. “Temos de acreditar até ao fim [que é possível mitigar as alterações climáticas]. Temos que fazer alguma coisa e começar o quanto antes. A mudança não pode vir só de cima, também temos de ser nós a fazer as coisas para que elas aconteçam, pedir ao nosso governo que implemente as medidas necessárias. Qualquer dia não sabemos se os netos vão ter água para beber ou se vão ver animais. É assustador.”
Na cauda do grupo está António Silva, 77 anos, atento às movimentações e às primeiras exclamações de resistência que ressoam nos megafones. “Quanto mais força vier do povo para estas coisas, melhor é,” exclama, tom de voz grave, indignado. “A malta mais nova é que vai sofrer ainda mais com isto. Estas coisas só mudam com muita pressão do povo.”
E assim ficou lançando o mote, não só para hoje mas para outros protestos futuros. Nesta altura, a marcha já ocupa largos metros da avenida. Na dianteira, alto e bom som, estabelece-se o repto: “mudar o sistema, mudar o clima”, que é suportado pelas associações ambientalistas e anti-racistas, partidos políticos, movimentos estudantis e cidadãos que acompanham o grupo em passo lento, mas constante. Nos cartazes que se brandem no ar, frases como “Eat The Rich”, “Justiça Climática Já” ou “COP26 – Muito Poder Pouca Acção” reforçam sentimentos coletivos e espelham o desespero em que as populações um pouco por todo o mundo sentem perante a falta de atitude e coragem políticas para travar o estado das coisas. Talvez por isso, ao longo do percurso, muitos se tenham deixado absorver pela multidão, acrescentando força aos números dos participantes – chegam a ser perto de mil pessoas na manifestação.
A meio da serpente encontro Beatriz Lopes, 21 anos, estudante, que caminha ao lado de um par de amigos do movimento Greve Climática Estudantil de Lisboa. “As pessoas estão cansadas!,” garante. “Não podemos ficar só a ouvir promessas políticas de que estão a tentar fazer a transição climática quando continuam a financiar projectos que indiciam o contrário. Só consumir alimentos vegetais e não usar palhinhas de plástico não chega. Saber que nós [os mais jovens] não vamos poder usufruir da mesma beleza do mundo que os nossos pais viveram é mesmo triste, tal como saber que os mais prejudicados são os países que não contribuíram para esta alteração do clima. Temos de assumir a culpa como país do Ocidente e da Europa que contribuiu com [o consumo de] combustíveis fósseis. Por isso é que estamos aqui a pedir por justiça social e isso faz parte da transição energética, esta não pode deixar ninguém para trás.”
O sol esconde-se atrás do Instituto Superior Técnico quando a marcha entra na Alameda Dom Afonso Henriques e os participantes se aproximam da Fonte Luminosa. É aí que me cruzo com Diego Damaceno, 39 anos, advogado, que veio na companhia da família. “É importante lutarmos contra esse sistema que é altamente voltado para o consumo, a destruição da natureza, em beneficiar poucas pessoas e prejudicar a grande maioria,” sublinha. “As decisões [no combate] sobre as alterações climáticas não podem ser tomadas por aqueles que detêm o controle do poder político. É uma luta que deve começar na base. Penso que a ruptura do sistema é a grande solução para acabar com esse risco ambiental que tanto sofremos. E essa luta é para evitar que as gerações futuras sofram com ansiedade ambiental, sistémica, com o mundo todo prestes a colapsar.”
À desmobilização geral antecedeu uma sessão de open mic onde os intervenientes aprofundaram argumentos para a descarbonização, a abolição dos combustíveis fósseis e monoculturas, o fim do racismo ou a distribuição de subsídios pelos países subdesenvolvidos que assistem na linha da frente aos efeitos da alterações climáticas. A única garantia é que há muito a fazer para salvar o planeta e que muitas das palavras que partilharam em Lisboa se repetirão durante muito tempo um pouco por todo o lado.
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