Fotografias por Ricardo e Francisco Melim
Depois do Verão, a época é de Festival Iminente. O Cais da Matinha, em Lisboa, voltou este ano a acolher aquele que para muitos é o evento de cultura urbana mais interessante do nosso rectângulo. Durante quatro dias, milhares de pessoas calcaram o labirinto de cimento do histórico complexo industrial para assistir a concertos, contemplar murais e instalações de arte ou participar em conversas sobre temas tão distintos como a política da comida ou bicicletas na cidade.
Por tudo isto, fazia sentido espreitar o que a edição de vinte vinte-e-dois tinha na manga, ainda que fosse apenas por um dia (no caso, apenas a noite). Com o Kiko Melim, decidi picar bilhete no terceiro dia de festa, aquele que prometia artistas incríveis como Juana na Rap, Guilty Simpson e Phat Kat, Tristany, Sam The Kid com Orelha Negra e uma orquestra, Yasiin Bey, entre tantos outros.
Vimos um pouco de tudo e, na despedida, saímos do Iminente com boas sensações e uns quantos rolos de fotografia cheios. Ou pelo menos era esse o plano. Mas mais sobre isso lá para a frente.
Logo à partida, o nome de Tristany era um dos que estava no nosso guia para o Iminente. Há muito que aguardava pela oportunidade de o escutar ao vivo e este foi o dia. Ao lado da família de palco que o costuma acompanhar, Tristany cantou sobre a linha de Sintra ao ritmo de gingas lentas carregadas de emoção. Trouxe amor, pediu amor e foram muitos os casais que encostaram num romance leve que fez esquecer a brisa fresca que a noite convidou para o Cais da Matinha. Se as jams não eram slow, então eram funk de tirar o pé do chão. Prometedor, o arranque do nosso Iminente.
Ainda sobre o Tristany, muita da estética interior do festival teve dedo do coletivo artístico Unidigrazz, do qual ele também faz parte. Aqui e aqui já tivemos oportunidade de o dar a conhecer. Se Tristany cantou sobre a linha de Sintra, o restante coletivo deu ao festival instalações e murais inspirados na zona numa espécie de amostra da visão que partilham. Este foi um ano em cheio para esta turma, que é cada vez mais uma referência na arte e cultura da Lisa.
Entre espectáculos houve tempo para espreitar o mercado de arte e moda. Por lá encontrámos bancas de projectos independentes que deixaram os seus lugares físicos (ou digitais) e agarraram nesta oportunidade para se aproximarem das pessoas. Foi o que fizeram estes quatro manos do The Blacker The Berry Project, coletivo-artístico-barra-porto-seguro para negros queer, trans e não-binários se exprimirem livremente e apoiarem a comunidade. Pessoal simpático, com muitas ideias para mudar ideias feitas.
A obra do coletivo V E R K R O N foi sem dúvida especial. Chama-se “THE LOVE BETWEEN US” e tinha facilmente o triplo da altura média de um português. A foto, para ser sincero, nem é fiel à instalação. O cenário tingido por uma luz-inferno agigantava as esculturas e aqueles olhos perdidos e rostos estoicos remexiam cá dentro com qualquer coisa como a empatia e a humanidade. Esta sentiu-se na pele e foi incrível.
Onde o clima esteve mesmo quente foi no Cine-Estúdio. Quando lá entrámos pela primeira vez, a Dj Sampaio jogava nos decks e mostrava a pujança do Dengo Club. À nossa volta havia dezenas de pessoas em libertação absoluta e uma mistura de corpos suados e charme. Ali deram tudo, sem pudores nem preconceitos e a noite de repente virou memorável.
O Kiko Melim foi a companhia deste ano no Iminente. Foi a primeira vez que experimentou o festival. Quem o conhece sabe que não sai de casa sem a velha aponta-e-dispara no bolso. Desta noite levámos para casa três rolos completos. Só um sobreviveu para contar a história. Fotografia analógica é assim, atiramos os dados e logo se vê. Um pouco como ir a um festival: garantimos entrada e esperamos pelo melhor. Na minha experiência, seja com vista para o Tejo ou em Londres, o Iminente cumpriu sempre. Que venha o próximo.